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Yayoi Kusama: o que é que a japonesa tem? - Karla Monteiro

A fila parecia não ter fim. “Ah, meu Deus”, eu exclamei, já tentando convencer o meu grupo de amigas a dar meia volta. Para piorar as coisas, na nossa frente, tinha uma moça com chapéu de cowboy e mochila nas cores da bandeira, além, claro, da indefectível camisa da CBF. Valeria à pena aquele sacrifício?


Como todo mundo, estávamos ali pelo direito a dois minutos, contados no relógio, na sala dedicada à obra “I’m Here, But Nothing”, e outro um minuto na sala vizinha, que guarda a obra “Aftermath of Obliteration of Eternity”. Ou seja: mais ou menos 30 minutos de fila para 3 minutos de contemplação, caso decidíssemos ver as duas instalações de Yayoi Kusama, a badalada artista japonesa que acabou de ganhar um pavilhão só seu em Inhotim.


Por que não?


Se você nunca foi ao Instituto Inhotim não sabe o que está perdendo. Tudo ali é uma experiência sensorial: a arquitetura dos pavilhões, cada um mais deslumbrante do que o outro, o jardim botânico envolvendo tudo, com uma infinidade de plantas exóticas e lagos de água verde-musgo.


À propósito, tenho tido muito medo de escrever a palavra experiência. Escrevo e, na sequência, me arrependo. Nos últimos tempos, não comemos nem um hambúrguer sem que alguém nos diga que aquela carne no pão não é só uma carne no pão, mas uma experiência. Infelizmente, porém, não encontro outra palavra para descrever uma visita ao museu mineiro, localizado na cidade de Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte. Aproximadamente 700 obras de arte, de mais de 60 artistas, reunidas numa fazenda cujo jardim abriga 4.300 espécies botânicas.


A Galeria Yayoi Kusama acabou de ser inaugurada. Apesar da fila, eu estava doida ver o trabalho dela de perto. Sua biografia, por si só, já causa curiosidade. Foi criada praticamente dentro de uma gigantesca estufa de violetas, que a abastada família cultivava e vendia por todo Japão. Ainda na infância começou a ter alucinações. Sempre com o caderno de desenhos debaixo do braço, ouvia as plantas tagarelarem. E, diante da infelicidade dos pais, um casal disfuncional, que brigava o tempo todo, perdia-se naquele universo mágico.


Quando completou 13 anos, veio a Segunda Guerra. Para sobreviver, trabalhou numa fábrica de paraquedas, enquanto passava as noites desenhando flores. Obsessivamente, até o dia amanhecer. O conflito terminou e ela seguiu ali, no povoado rural chamado Matsumoto. Até que, aos 27 anos, imigrou para os Estados Unidos, onde sua história recomeçou. Nos últimos 40, antes que viesse a fama, sobretudo impulsionada pelo Instagram, viveu num hospital psiquiátrico.


Como comer cogumelos mágicos ou tomar LSD...Talvez, aliás, um tiro de lança-perfume. Primeiro, nós visitamos a instalação “Aftermath of Obliteration of Eternity”, o jardim de luzinhas, que refletem num conjunto de espelhos. Nada demais, mas, ao mesmo tempo, a obra tem força suficiente para nos retirar da realidade material. Somos convidados a transbordar, a borrar as bordas.


Na outra instalação, “I’m Here, But Nothing”, aconteceu uma cena que dá a dimensão do que Yayoi Kusama provoca. Entramos, um grupo, com a orientação de não falar para não atrapalhar a experiência alheia. Já imersos na convencional sala-de-estar, porém, salpicada de bolinhas delirantes, um rapaz teve uma crise incontrolável de riso – e todo mundo riu em cascata.


Não acho que Yayoi Kusama seja a maior artista do nosso tempo, como sugerem os críticos e os superlativos números de visitas às suas instalações. Segundo o jornal The Guardian, mais de cinco milhões de pessoas ao redor do mundo. Não se trata disso, porém. Aos 94 anos, ela segue simplesmente nos fazendo sentir. E sentir, nos dias de hoje, nem que seja por um minuto, já é muito.







KARLA MONTEIRO nasceu em Diamantina (MG). Formou-se em jornalismo pela PUC-Minas, trabalhou nos jornais Estado de Minas, Folha de S.Paulo e O Globo e nas revistas Veja, Trip/ TPM, entre outras. É autora de Karmatopia: Uma viagem à India, coautora de Sob pressão: A rotina de guerra de um médico brasileiro e autora de Samuel Wainer: o homem que estava lá.

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