“Você está ficando velho!”.
Quando foi que ouvi (ou pensei) isso pela primeira vez? Nem lembro, o que por si só serve de prova de que velho fiquei. Mas como e onde isso começou? Por que demorei tanto para perceber, ou assumir? A primeira explicação é que a velhice, assim como o feijão no dente, a chatice, o mau hálito, a cornitude e a burrice, é primeiro notada pelos outros do que pelos diretamente envolvidos. Isso justificaria, um pouco, a demora na percepção da (com e sem ironia) “nova” realidade.
Hoje, provavelmente, existem zilhões de sites, perfis, páginas, canais tratando do tema na web-galáxia, com guias, programas/cursos preparatórios, que tornem menos desconhecidos e surpreendentes os indícios (“sintomas” soa politicamente incorreto demais, embora certas dores e reclamações inesperadas, parecem difíceis de desassociar de um certo “adoecimento”), da chegada à “melhor idade” (um dos eufemismos mais odiosos já inventados), esse lugar que sempre pareceu distante, mas que um dia vem... e fica.
Mas isso tudo é tão recente, que só beneficiará os futuros velhos (que até lá saberão usar direito a internet), a galera old age atual chegou nessa sem nenhum mapa ou bula, sem tutorial nenhum.
E isso para atravessar aquilo que é o maior período da nossa vida. Faça as contas: a infância dura o quê? 10 anos? E a famosíssima juventude? Mesmo com todas as prorrogações, negações e adiamentos, mais uns 25? A maturidade também é breve, ou (para muitos de nós) até mesmo inexistente. Já a velhice, essa veio para ficar, baby. E embora durando cada vez mais ainda é um território bem desconhecido para o recém-chegado.
Isso se explica porque esse negócio de envelhecer, até pouco tempo atrás, era um tipo de luxo, um troço para poucos. Agora é que ficar velho, salvo enganos e desenganos, virou possível quase para todos.
E também não podemos deixar de notar que, na infindável Era do forever young, aparentar o passar dos anos meio que pega mal, é algo a ser evitado a qualquer custo (e bota custo nisso). Ainda são raros os velhos que se assumem e saem do armário. Tanto que, mesmo com todos os avanços do movimento/mobilização antietarista (outro nomezinho ruim) ainda está bem distante o dia em que veremos uma parada celebrando o dia do “Orgulho Idoso”.
Mesmo assim, desde os tempos mais remotos, as civilizações/culturas/agrupamentos lidaram com a “questão da velhice”. Alguns até valorizavam os seus velhinhos, mas as vagas deviam ser poucas nos ancestrais "conselhos de anciões" (as 3 formas de plural são aceitas, tá?), a maioria, simplesmente, relegava todos ao abandono e fod@-se. Afinal, a natureza (e seus ciclos) só é fofa na Disney, ou para a galera zen ambiental.
Em tempos modernos, várias tentativas, desde farmacológicas a previdenciárias, foram desenvolvidas na intenção de proteger/amenizar os impactos para quem vai passar a ter um dia a dia, digamos, mais geriátrico.
Com tudo isso, a danada continua chegando de surpresa. Ninguém está preparado, não tem treinamento para lidar com as "novidades" (com aspas irônicas) que a velhice traz. A começar pela primeira delas: como ela começa?
A coisa já complica daí. Os sinais, as pistas são infindáveis, variam, praticamente, de pessoa para pessoa. Alguns seriam um pouco mais recorrentes, quase gerais, como passar, repentinamente, até ter opinião sobre o que seria, ou não, um bom sofá. Ou não conseguir se controlar e deixar escapar, pela primeira vez, a frase: “essa porcaria não é música!”. Mas o fato é que os inícios podem ser inúmeros e o começo é o que menos importa nesse (tomara) longo trajeto, o mais importante é como suplantar esse que é o mais traumático rito de passagem da nossa existência.
E digo isso sem o menor exagero: nascer pode ser visto como o primeiro trauma, mas não temos a menor consciência ou lembrança disso, o mesmo pode ser dito, para alguns felizardos, em relação à morte. Ingressar na puberdade nos torna ridículos e inseguros, ok. A entrada no mundo dos boletos e carnês, que define a vida dos adultos (pelo menos de muitos deles) também não é mamão com açúcar, mas vai comparar isso com a interminável (tudo bem que um dia termina, porém isso não é, necessariamente, uma boa notícia) sucessão de surpresas desagradáveis que seu corpo prega a você mesmo, do início ao fim da “última etapa”. Disso ninguém escapa.
Importante também é questionar alguns mitos, como o da supervalorização da juventude, não por inveja, mas pela necessidade de reduzir o trauma do seu fim, tentando contribuir também para a diminuição do número de tentativas grotescas e apavorantes feitas para se “manter jovem”. Práticas que, geralmente, levam o(a) adicto(a) (OBS: velho não usa “e” para definir indefinição de gênero) a parecer algum tipo de novo inimigo do Batman.
Já fui jovem. Já tem tempo que não sou mais. Ser jovem é bom. Mas também não é isso tudo, não é nada demais. Tem coisas maravilhosas, estúpidas e ruins, como todo o resto. E, como todo o resto, acaba.
A juventude, quando não tem data pra acabar, fica muito parecida com o desespero.
A juventude é cravejada de certezas. A velhice, em certo sentido, é mais parecida com a infância, onde o incerto mete medo e surpreende. Aos que me acusam, usando como "provas" minha própria juventude, de "não ser mais jovem" ou de ter "ficado velho", confesso que sou culpado: envelheci. E, até agora, não me arrependo. Cheguei até aqui tendo que me despojar de algumas bagagens, mas isso não só foi necessário, como também, muitas vezes, foi divertido e até proporcionou alívio. A velhice, para os ateus ao menos, é a única fase, realmente, intransponível da vida. Então vamos a ela. Antes tarde do que nunca. Literalmente. Mesmo porque a "alternativa" (o único jeito testado e comprovado de nunca envelhecer) é pior ainda.
CLÁUDIO MANOEL é baiano, de Salvador, humorista, integrante do saudoso Casseta & Planeta, programa humorístico de sucesso na tv por mais de 20 anos.
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