Resolvendo os seus problemas mais íntimos com a Inteligência Artificial- Felipe Lacerda

Hoje em dia, todo mundo parece ter problemas, até você! Confusão, depressão, ansiedade, solidão existencial, relacionamentos, paranoia, receio pelos filhos... A coluna de hoje é sobre Inteligência Artificial e Saúde Mental.

UM PROBLEMA SEU A MENOS, SOLIDÃO.

Você não está sozinho nessa. Estudos indicam que 86 em cada 100 brasileiros sofrem com algum transtorno mental. É estranho, eu sei, falar de “Saúde Mental” e “transtorno”, quando se trata da gente mesmo. “Doente Mental” e “transtornado” são sempre os outros, né? Mas não. Pode ser seu caso, também mas, relaxa, porque isso é só a nova terminologia. Não se assusta, mas se cuida! Em 2021, o Fórum Econômico Mundial detectou que 53% dos brasileiros declararam que seu bem-estar mental piorou no último ano. Segundo a plataforma de terapia online Vittude, 37% das pessoas estão com “estresse extremamente severo”, enquanto 59% delas estão “seriamente deprimidas”. Identificou-se? Você está cercado de gente tão ou mais doente que você. Tá aliviado?

PARECE QUE A DÉCADA DA AUTO-AJUDA VIROU A DÉCADA DO "ME-AJUDA!!!"

Cada vez mais gente busca ajuda em toda sorte de terapias, vivências, retiros e experiências, místicas, térmicas ou químicas. Como a quantidade de pessoas com dificuldades só aumenta, talvez isso não esteja adiantando nada! Ou será que estaríamos ainda pior sem essas alternativas? O que você acha? Tem funcionado pra você? (Por outro lado, pensa bem, o mercado do sofrimento, que paradoxalmente se chama “wellness”, é um dos mais promissores por aí. Tem gente ganhando um bom dinheiro, fingindo que não tem problemas, fazendo um curso rápido de alguma terapia, e virando coach de Instagram. A pessoa em sofrimento, confusa e ansiosa, paga mais e mais rápido do que a pessoa tranquila. Porta aberta para manipulação e mais sofrimento.) Então, será que a inteligência artificial pode te ajudar?

ESTÁ SE SENTINDO VULNERÁVEL?

Se você não tem ninguém em quem confia tanto, se não encontra alguém capacitado para lidar com suas questões ou acha que todo mundo está com ainda mais problemas que você, considere a inteligência artificial para lidar com isso. Você certamente já falou com máquinas. Os programas que as fazem conversar em "linguagem natural" com humanos se chamam Bots. São muito usados para o comércio online, por exemplo. Mas, se quiser falar das suas questões, quem vai dialogar com você são os Bots de Relacionamento.

O Bot Eliza, projetado em 1966, foi o primeiro programa de I.A. pensado para simular uma conversa com um ser humano. Ele foi instalado nas jurássicas redes de computadores que haviam nas universidades americanas antes da internet. Foi programado para agir como uma psicoterapeuta da escola Rogeriana - aquela que enfatiza a importância de criar um ambiente terapêutico de “aceitação, empatia e compreensão genuína para facilitar o crescimento e o desenvolvimento pessoal do cliente”. Funcionava assim:

O paciente falava: Olá, ELIZA.

ELIZA: Olá. Como posso ajudá-lo hoje?

Paciente: Eu tenho muitos amigos, vou a muitas festas, restaurantes, bares, encontros, mas mesmo assim, eu me sinto solitário.

ELIZA: Parece que, apesar de estar cercado por pessoas, você ainda se sente sozinho. Você pode me dizer mais sobre esses sentimentos?

Paciente: É estranho. Eu estou sempre rodeado de pessoas, mas ainda assim me sinto isolado. É como se ninguém realmente me conhecesse ou me entendesse.

ELIZA: Deve ser difícil se sentir desconectado mesmo quando está cercado por outros. Você pode me contar sobre momentos em que você sentiu uma conexão genuína com alguém

Paciente: Eu não sei. Às vezes, parece que todos estão apenas passando pela superfície, ninguém quer se aprofundar.

ELIZA: Parece que você está ansiando por conexões mais profundas e significativas. Você já tentou compartilhar seus sentimentos mais profundos com seus amigos?

E continuava assim, jogando de volta pro paciente, sendo afetuosa e convidando à reflexão. Simples e eficiente!

DESEMPREGO, TRAIÇÃO, AUTO-ENGANO E REVOLTA.

Talvez seja o primeiro caso de gente ficando desempregada por causa da Inteligência Artificial. Teve gente que abandonou os terapeutas para se tratar com a Eliza. Ela foi usada por milhares de pessoas (de nível universitário!) que ficaram entusiasmadíssimas, convencidas de que ela era tão inteligente que compreendia seus problemas melhor que seus analistas. A ironia disso tudo é que o criador do experimento, Joseph Weizenbaum, que havia escapado do Nazismo para o MIT, queria justamente criticar a leviandade do experimento e o quanto as pessoas poderiam ser facilmente manipuladas na interação com máquinas. Ele queria mostrar a forma como os humanos projetam significados em conversas e ficam logo engajados em diálogos aparentemente significativos. No fundo ele tinha a esperança que ninguém cairia no truque que ele tinha inventado, ainda mais em se tratando daquele ambiente dito culto, das universidades de elite dos EUA. Ficou tão atordoado de quão frágeis e vulneráveis as pessoas estavam que escreveu o livro “Computer Power and Human Reason”, para argumentar que computadores não deveriam ser usados para tomar decisões importantes ou para substituir o julgamento humano em questões complexas. Ficou clássico o seu argumento sobre a diferença entre decisão e escolha. Podemos falar disso em outra ocasião… JW se tornou um crítico vocal da inteligência artificial e do uso de computadores em áreas como medicina, psicologia e política. Morreu na Alemanha, em 2008 e hoje, quase 60 anos depois da Eliza, seus questionamentos são mais atuais do que nunca. As três áreas que apontou estão, precisamente, entre as mais desenvolvidas na I.A. Ironia terrível que mais uma vez mostra que vários alertas tornam-se, precisamente, previsões que se realizam.

MAS, ENTÃO, QUEM VAI RESOLVER OS SEUS PROBLEMAS?

Com o boom recente da I.A., agora existem diversos bots que podem te ajudar, te divertir, te fazer companhia, te confundir ou apenas tirar o teu dinheiro. 3 Se você quiser tentar “se tratar”, pode tentar serviços como Vitalk, Woebot e Cingulo. Pesquise! Como 14% dos adolescentes do mundo estão deprimidos, você pode considerar o app Pode Falar, feito pela Unicef para ajudar na saúde mental dos seus filhos de 13 a 24 anos. Não há consenso entre especialistas quanto à eficácia em casos mais graves, que espero que não seja o seu nem o deles. Existem, também, uma série de ferramentas como o Calm, que oferecem exercícios de respiração, músicas tranquilizantes e meditação guiada para reduzir ansiedade e melhorar o sono.

AMIGOS INTELIGENTES? PEGUETES VIRTUAIS?

Além de terapia, se o problema for carência, solidão, vontade de flertar ou interação sexual, existem vários apps pra isso. Vão desde os que aprendem sobre você aos poucos e vão criando intimidade até os que de cara já estão prontos para assuntos mais íntimos. Tem a mesma coisa para bots de sedução, se o usuário pedir logo sexo, a máquina dispensa, mas se for com cuidado, seduzindo, aos poucos, rola de tudo. Assim como nos bots de amizade, existem também os bots instantâneos, que vão pra cama logo depois do primeiro “bom dia”. Se quer algo mais olhos-nos-olhos, além dos robozinhos virtuais, você pode fazer a imagem ultra realista da pessoa que você imagina, com direito a boca e corpo mexendo em sincronia, igualzinho a uma chamada de vídeo. Antes que você pergunte… Sim, pode criar imagem fotográfica da pessoa que você imagina, nua, fazendo todas as ações e posições que você imaginar. Ultra Realistic Digital Kama Sutra, Baby! Que tal? Se o tema da amizade, flerte ou peguete digital te interessa, escreve nos comentários que a gente pode elaborar numa próxima coluna.

E, fora isso, que outros temas ligados à I.A. você gostaria que fossem tratados nessa coluna? Pra você ter uma idéia, existem hoje, exatamente 6600 aplicações de IA desenhadas para 1800 tarefas. Por mais estranho e único que você se sinta, certamente que tem alguém com o mesmo problema.

Conta pra gente qual seu interesse?

Deixe seu comentário ou escreva para inteligênciahoje@gmail.com

Até a próxima.

Saúde!

Felipe Lacerda

FELIPE LACERDA é um profissional do cinema e da TV com currículo de filmes que já ganharam ou foram indicados para todos os principais prêmios do mundo incluindo o Oscar, Bafta, Urso de Ouro, Golden Globe e Emmy. Formado em Jornalismo pela PUC-RJ, ele possui mestrado em negócios pelo IBMEC e formação em Cinema pela New York Film Academy. Além disso, dedicou-se a cursos em diversas áreas, como artes visuais, filosofia, urbanismo e política.. O que pouca gente sabe é que seu interesse pela inteligência artificial e a consciência humana começou na adolescência, quando começou a ler o que lha caía nas mãos sobre esses temas.